sábado, 23 de junho de 2012

"O Gosto do Cloro" e do amor



"Sometimes" - como diz um amigo meu- , a vida tem dessas coisas. Sem nenhuma intimidade com o universo das piscinas e da natação, o protagonista se vê impelido a nadar por conta de uma dor nas costas. Vai. E lá fica a contragosto até encontrar uma garota. Mas não é assim mesmo que o mundo parece depois, cheio de graça? É aos poucos que vai acontecendo. A piscina enorme que parece absolutamente infinita diante da pequenez do corpo dele, tão frágil e inseguro. Ela, por sua vez, boa nadadora, sabe como dar braçadas precisas.

É enquanto conversam sobre o nado que vão chegando perto um do outro: ela ensinando, ele aprendendo. E vão ficando. O teto alto da piscina coberta, os anônimos que também nadam nela, tudo é solidão. É preciso se enfrentar para crescer - é o que a água azul da piscina diz a ele. Ela é quem o leva, e ele vai, sem escolha diante do amor.

Não é cinema, é HQ, mas tem tudo a ver. Bastien Vivès (o autor) sabe transpor para seus quadrinhos os silêncios das horas, o tempo demorando de passar, a sensação de ficar sem ar. E é sufocado e um pouco sem entender que o protagonista enfim cresce. Mas não é assim mesmo na vida real?

"O Gosto do Cloro"
Bastien Vivès
editora Barba Negra
144 páginas
R$ 49,90

domingo, 9 de janeiro de 2011

"Poema em quadrinhos" e Orfeu e Eurídice

Muita gente (eu, inclusive) gosta de um jeito especial da história de Orfeu e Eurídice. Do herói que vai, acompanhado de sua lira, buscar a amada no inferno. É esse o ponto de partida de Dino Buzzati no livro “Poema em quadrinhos”. A grande graça é que ele não mascara as referências – coisa que algum autor mais sem noção poderia ter feito – e as assume logo de cara, com o nome dos protagonistas: Orfi e Eura. O instrumento musical ele também trocou: em vez de uma lira, um violão. A ousadia do personagem principal, entretanto, é a mesma diante do universo desconhecido que se apresenta. Orfi e Orfeu têm isso em comum: a ausência do medo de ir além.

Embora Buzzati tenha morrido em 1972 com a inquietação de que queria mesmo era ser artista plástico, também como poeta ele é genial. O livro apresenta versos, que, junto com as imagens, constroem significações como “Cada um traz consigo o seu próprio mundo/ É aquilo que lhes basta, imagino”. As mulheres são lânguidas e poderosas. Desfilam nuas pelo caminho de Orfi, e a ele são oferecidas ao longo de sua jornada. Têm no olhar o mesmo jeito desafiador de algumas mulheres dos quadrinhos do também italiano Milo Manara (de “Kama Sutra” e da série “Clic”).

A história de Orfeu e Eurídice certamente não é novidade para a maioria das pessoas, principalmente por já ter servido de base para tantas coisas, da peça de Vinícius de Moraes, “Orfeu da Conceição”, ao filme “Orfeu” de Cacá Diegues. Talvez seja exatamente isso que confira o grande mérito ao livro: “Poema em quadrinhos” assume a difícil tarefa de reinventar com maestria a história de Orfeu e Eurídice, e ainda a ilustra com imagens incríveis, que por vezes se expressam em ruas escuras e vazias, e num desenho sombrio para revelar o grande - e destemido - mergulho do personagem.



“Poema em quadrinhos” / Dino Buzzati / 220 páginas / Cosac Naïfy / R$ 42

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Julie, Julia e uma receita de mim

Filmes sobre comida sempre me fascinam. Gosto de um jeito especial de livros de receitas: acho lindos, coloridos, e cheios de esperança. Outro dia – já faz algum tempo, entretanto -, me encantei com o livro “O pedante na cozinha”, de Julian Barnes (aquele fascinante de “O papagaio de Flaubert”). Ele queria porque queria que as receitas fossem mais específicas. Eu também.

E aí que encontro “Julie & Julia” (2009), de Nora Ephron, para assistir. E fico achando incrível a forma através da qual pode emanar arte da cozinha. O filme, embora não tenha nenhuma pretensão nem arroubo de ser alguma novidade em termos de linguagem cinematográfica – e sinceramente, poucos conseguem mesmo hoje em dia -, é muito fofo.

Amy Adams e Meryl Streep, respectivamente Julie e Julia, estão insatisfeitas com suas vidas, embora a primeira viva nos dias atuais enquanto a segunda, na década de 1940. O filme é lindamente colorido: a fotografia bonita das cozinhas até lembra as dos filmes “O tempero da vida” e “Sem reservas”, ambos comentados por aqui. E então Julie vai preparando as 524 receitas do livro de Julia, enquanto um ano inteiro se passa. As histórias correm em paralelo e não se encontram no final, e talvez a graça seja justamente essa: transcender tudo, até mesmo os convencionais finais felizes que a gente sempre espera, para tentar o novo e dar um basta na monotonia da vida.


quinta-feira, 4 de março de 2010

A rosa púrpura do Cairo e outras histórias

Acontece sempre por aí: a fantasia, uma hora – de preferência, uma bem imprevista -, invade a realidade. Pula a tela e vem pro mundo da gente. Em “A rosa púrpura do Cairo”(1985), Woody Allen desbanca simplesmente todo o resto de filmes que foram feitos antes e depois por uma razão simples, bem simples: pra mostrar a verdade do amor.

Cecilia é uma garçonete que vive no limite da infelicidade. A vida só fica mais leve naqueles instantes em que senta na sala de cinema e sonha com o galã do filme. Como nem tudo é dia de chuva, a sorte lhe sorri. O galã pula a tela e nós, atônitos, acreditamos, mesmo sem querer acreditar. Ele pulou. E agora vão percorrer parques de diversão, lanchonetes, restaurantes, para espalhar o amor pela cidade inteira.

Vem o ator que interpreta o personagem oferecer-lhe Hollywood. Vem o marido pedir-lhe perdão. Cecilia hesita em sair do sonho. Pode viver outro novinho em folha. Pode voltar pro pesadelo.

Woody Allen já disse que esse era seu filme preferido. Se eu tivesse feito, seria o meu também. “A rosa púrpura do Cairo” é destino, muito mais que escolha.


quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Lisbela.

“A graça não é saber o que acontece. É saber como acontece. Quando acontece.” Com uma frase dessas, não tinha como o filme ser ruim. E eu decidi revisitá-lo tanto tempo depois só porque “Lisbela e o prisioneiro” (2003) não pode passar em branco.

Com sotaques graciosos e cenários bem coloridos, típicos dos filmes de Guel Arraes,”Lisbela e o prisioneiro” tem tudo de bom. A trilha sonora é perfeita, e vai de Elza Soares cantando “Espumas ao vento” até Los Hermanos na indefectível canção “Lisbela” (“Eu quero a sina de um artista de cinema/ eu quero a cena onde eu possa brilhar / um brilho intenso, um desejo, eu quero um beijo/ um beijo imenso onde eu possa me afogar”). A fotografia. O elenco. Análises à parte, o que o filme tem de melhor mesmo é esperança.

Lisbela aceita mudar todos os planos – casamento marcado, noivo direitinho – pela novidade: Leléu, um sem-pouso. E por que não? Se não é na vida que pode tudo, onde mais vai poder? Então Guel Arraes faz do jeitinho que todo mundo espera do outro lado da tela, sem ter nada de errado nisso. Deixa o espectador satisfeito. Todo mundo vai pra casa feliz e esperançoso de que, um dia, como fez Woody Allen em “A rosa púrpura do Cairo”, a fantasia pule da tela e mude a realidade.


quarta-feira, 11 de novembro de 2009

“Melinda e Melinda” e o jeito de ver

Tudo é questão de perspectiva. Woody Allen leva a afirmação a sério (na verdade, a sério e a bem-humorado) em “Melinda e Melinda” ( 2005). Uma mulher aparece de surpresa em meio a um jantar: esse é o mote para que dois escritores criem histórias distintas, uma tragédia e uma comédia.

Sendo assim, Melinda está presente nas duas histórias, assim como os mesmos cenários e personagens. Tudo dividido desde o início do filme que, na verdade, são três: a conversa agradável dos escritores sobre como cada um construiria sua história, a tragédia da Melinda problemática e a comédia da Melinda encantadoramente desleixada.

É claro que não falta aquele clima que só Woody Allen sabe criar, com contornos cômicos que fazem lembrar “Todos dizem eu te amo” (1996) e trágicos que remetem a “Interiores” (1978). Em “Melinda e Melinda”, estão presentes também as agradáveis e habituais trilhas sonoras, além de atores como Will Ferrel e Chloë Sevigny.

A graça mesmo, além da maestria de Allen na metalinguagem, está na capacidade de transformação da mesma história em comédia ou drama, dependendo apenas da escolha de quem vê. E a vida não é assim mesmo, afinal?



sexta-feira, 16 de outubro de 2009

uma alegria

O título do filme da vez é: segundo lugar no concurso de crítica da Walter da Silveira.

Confiram:

http://www.dimas.ba.gov.br/critica2009/lista_de_premiados.htm

se clicar nos links, dá pra ler as críticas premiadas.

adorei!